sábado, 27 de junho de 2015


Eu vi a luz do subúrbio longe
Amalia Grimaldi

 

Colinas e ladeiras. Escarpadas e balaustradas.  Mirante oportuno. Visão que emancipa.  Fascinante baía azul!  Desvio de luzes. Sombras oportunas. Alegria de poucos. Privilégio de tantos outros. Oh, delícia perecível!  Ah, meus doces sorvetes de verão! O belvedere aqui é encosto de fé. Em estado de graça veem-se namorados ao amparo. E, o incerto por vir. Na dormência latente de meus arranhados cotovelos, sei que sou, apenas um dócil participante. Eu vejo tudo, imagino coisas;  o afoxé  ritmado dos Filhos de Ghandi, cortando caminho com a procissão do Senhor Morto, na estreiteza da Rua da Miseridórdia. Deliro no eventual conflito. Breve silogismo de amargura.

 Praça Tomé de Souza... Revoada de pombos... E a vista! A brisa do mar da baía azul é seguro conforto de horas quentes lavadas ao suor da fronde. O Elevador Lacerda, e a praça, e nas paredes descascadas, vejo quão elaborada é a escrita do tempo. O palácio resiste na lembrança de antigos faustos. Musgos e samambaias, no culto da melancolia, escrevem o breviário dessa temporal composição. A cidade cresce. Transborda em suas bordas suburbanas. Edema de suas muitas patologias incuráveis, nem o sincretismo religioso parece ser suficiente antídoto. Ruas apertadas. Tráfego lento, emperrado. Construções por todo lado. A cidade cresce. Vejo-a rasgar-se aqui e acolá. Na tragicidade conivente do desigual, o bem e o mal, a vida e o fardo, essa eterna culpa, que no delírio do conflito nos levam ao dedilhado contido, estado de degradação indisfarçável; histerismo libertador. Benza Deus!

Quitandas e vendas, vendedores e passantes. Atadas vassouras; almas desfiguradas. Becos e vielas, socavãos impenetráveis.Vago tédio de minhas tardes quentes. Ah, lá está o mar, catarse de meus dias lilases. Fascinante baía azul, de todos e um pouco minha. Divido-a com todos os santos. Passo, volto e recuo. Junto ciscos n’alma. Retorno ao berço da narrativa intrínseca. Juntar-me-ei ao canto de outras vozes. Canção desse meu tempo, oração desencontrada.

 

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