Eu vi a luz do subúrbio
longe
Amalia Grimaldi
Colinas e ladeiras. Escarpadas e
balaustradas. Mirante oportuno. Visão
que emancipa. Fascinante baía azul! Desvio de luzes. Sombras oportunas. Alegria
de poucos. Privilégio de tantos outros. Oh, delícia perecível! Ah, meus doces sorvetes de verão! O belvedere aqui
é encosto de fé. Em estado de graça veem-se namorados ao amparo. E, o incerto
por vir. Na dormência latente de meus arranhados cotovelos, sei que sou, apenas
um dócil participante. Eu vejo tudo, imagino coisas; o afoxé
ritmado dos Filhos de Ghandi, cortando caminho com a procissão do Senhor
Morto, na estreiteza da Rua da Miseridórdia. Deliro no eventual conflito. Breve
silogismo de amargura.
Praça Tomé de Souza... Revoada de pombos... E
a vista! A brisa do mar da baía azul é seguro conforto de horas quentes lavadas
ao suor da fronde. O Elevador Lacerda, e a praça, e nas paredes descascadas,
vejo quão elaborada é a escrita do tempo. O palácio resiste na lembrança de
antigos faustos. Musgos e samambaias, no culto da melancolia, escrevem o
breviário dessa temporal composição. A cidade cresce. Transborda em suas bordas
suburbanas. Edema de suas muitas patologias incuráveis, nem o sincretismo
religioso parece ser suficiente antídoto. Ruas apertadas. Tráfego lento,
emperrado. Construções por todo lado. A cidade cresce. Vejo-a rasgar-se aqui e
acolá. Na tragicidade conivente do desigual, o bem e o mal, a vida e o fardo,
essa eterna culpa, que no delírio do conflito nos levam ao dedilhado contido,
estado de degradação indisfarçável; histerismo libertador. Benza Deus!
Quitandas e vendas, vendedores e
passantes. Atadas vassouras; almas desfiguradas. Becos e vielas, socavãos impenetráveis.Vago
tédio de minhas tardes quentes. Ah, lá está o mar, catarse de meus dias lilases.
Fascinante baía azul, de todos e um pouco minha. Divido-a com todos os santos.
Passo, volto e recuo. Junto ciscos n’alma. Retorno ao berço da narrativa
intrínseca. Juntar-me-ei ao canto de outras vozes. Canção desse meu tempo, oração
desencontrada.
Histerismo libertador...
ResponderExcluir