Crônica
anunciada
Amalia
Grimaldi
Por muitos anos guardei livros e
revistas. Cartas, vidros de perfume, conchas e pedras. Resquícios de sentidos
essenciais, cuja cognição, não queria perder no tempo. Traçando linhas de
sobrevivência através de elos emocionais entre a distante “Terra Australis”que
um dia me acolheu como legítima cidadã e a emocional “Terra Brasilis”em cujo
útero fui gerada.
No entao tranquilo Taquary, enseada do
paradisíaco vilarejo de pescadores, o cobiçado Guaibim, na azul costa sul da
Bahia, vivia um tanto recolhida no interior da minha concha, e confesso que me
perdi um pouco na história do tempo presente. À sombra de coqueiros que plantei
nesse meu pedaço à beira do mar, eis que de repente passaram-se doze anos. E
assim, entre devaneios marinhos e fantasias sedutoras, não percebi os sinais e de
que a hora de voltar estaria chegando. Pois é, meus amigos leitores, estou de
volta à minha segunda pátria – Austrália! De repente, o que guardado foi,
vínculo de um passado estimado, começou a se desbotar, e foi perdendo a
importância pragmática ante a urgência do momento rumo a um tempo de
acontecimentos inexoráveis, que então chegou: “Vende-se esta casa, o carro e o cachorro...”
Limoeiros em flor... Antúrios
vermelhos... As plantas no pátio... Ah, e as vacas desbotadas! quanto a vista
do mar, o cachorro entao, ficou nessa
paisagem, apenas parte de uma agonia transicional. Oliver ora descansa sob o pé
da acácia e que desde então botou flores como nunca antes. Já Argus, também um
Pastor Belga (meu segundo cão), ficou sob os cuidados do belo Ivan, “o rapaz do
cavalo”aí no Guaibim.
Despojamento doloroso. Desço ao vazio
niilístico do meu ser. O futuro foi chegando, já mergulhava nas águas turvas e
profundas dos medos e da ansiedade. Enfim, ancoragem justificadora:
juntar-me-ia ao pedaço distante da minha família - filha, genro e netas. E aqui
estou. Família crescendo, logo chegará o terceiro neto.
A viagem, e o bom-destino. Sinal de
ordenamento. Libélulas em suas asas transparentes predizem insurgências.
Mimetizando desejos escondidos chegou o tempo dos ventos, e com este inesperados
pensamentos. Impulsos utópicos: já via passar o branco alazão e seu cavaleiro
romano levando a galope a jovem bailarina em seu tutu rosado. Chegou o tempo da
partida. Mudança de rumos, transcendência de conflitos. De repente, as pedras
do caminho se desnudaram de seus limos.
Silêncios quebrados são vozes na
região da noite. Confiscam a autonomia de meus pensamentos. Fixar, ou definir?
O tempo é imutável.
A casa e a varanda, o mar e os coqueiros, e nessa paisagem
o negro cão: universo compartilhado. E, no verde musgo que aí vingou forte,
samambaias ao aceno. Morrem as sombras de tardes distantes,
mas a parede dessa casa, morna, ainda vive em mim.
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