sábado, 27 de junho de 2015


Crônica anunciada

Amalia Grimaldi
 

 

Por muitos anos guardei livros e revistas. Cartas, vidros de perfume, conchas e pedras. Resquícios de sentidos essenciais, cuja cognição, não queria perder no tempo. Traçando linhas de sobrevivência através de elos emocionais entre a distante “Terra Australis”que um dia me acolheu como legítima cidadã e a emocional “Terra Brasilis”em cujo útero fui gerada.

No entao tranquilo Taquary, enseada do paradisíaco vilarejo de pescadores, o cobiçado Guaibim, na azul costa sul da Bahia, vivia um tanto recolhida no interior da minha concha, e confesso que me perdi um pouco na história do tempo presente. À sombra de coqueiros que plantei nesse meu pedaço à beira do mar, eis que de repente passaram-se doze anos. E assim, entre devaneios marinhos e fantasias sedutoras, não percebi os sinais e de que a hora de voltar estaria chegando. Pois é, meus amigos leitores, estou de volta à minha segunda pátria – Austrália! De repente, o que guardado foi, vínculo de um passado estimado, começou a se desbotar, e foi perdendo a importância pragmática ante a urgência do momento rumo a um tempo de acontecimentos inexoráveis, que então chegou: “Vende-se esta casa, o carro e o cachorro...”

Limoeiros em flor... Antúrios vermelhos... As plantas no pátio... Ah, e as vacas desbotadas! quanto a vista do mar,  o cachorro entao, ficou nessa paisagem, apenas parte de uma agonia transicional. Oliver ora descansa sob o pé da acácia e que desde então botou flores como nunca antes. Já Argus, também um Pastor Belga (meu segundo cão), ficou sob os cuidados do belo Ivan, “o rapaz do cavalo”aí no Guaibim.  

Despojamento doloroso. Desço ao vazio niilístico do meu ser. O futuro foi chegando, já mergulhava nas águas turvas e profundas dos medos e da ansiedade. Enfim, ancoragem justificadora: juntar-me-ia ao pedaço distante da minha família - filha, genro e netas. E aqui estou. Família crescendo, logo chegará o terceiro neto.

A viagem, e o bom-destino. Sinal de ordenamento. Libélulas em suas asas transparentes predizem insurgências. Mimetizando desejos escondidos chegou o tempo dos ventos, e com este inesperados pensamentos. Impulsos utópicos: já via passar o branco alazão e seu cavaleiro romano levando a galope a jovem bailarina em seu tutu rosado. Chegou o tempo da partida. Mudança de rumos, transcendência de conflitos. De repente, as pedras do caminho se desnudaram de seus limos.

Silêncios quebrados são vozes na região da noite. Confiscam a autonomia de meus pensamentos. Fixar, ou definir? O tempo é imutável.

A casa e a varanda, o mar e os coqueiros, e nessa paisagem o negro cão: universo compartilhado. E, no verde musgo que aí vingou forte,

samambaias ao aceno. Morrem as sombras de tardes distantes, mas a parede dessa casa, morna, ainda vive em mim.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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