terça-feira, 11 de fevereiro de 2014


 
 
Um Tritão apaixonado que diz esperar por mim
Da antiga casa somente a fachada permaneceu.
Pendida à porta o número da placa ainda é o mesmo, 68.
Perdeu-se o encanto sumido nas fissuras abertas
da minha incerteza, nas paredes já fragilizadas
 
sinto o declinar desse tempo. Horizontal crepuscular.
De escamadas caliças a sombra da insegurança
uma diurna escuridão a envolver o momento.
Oca da maldade, toca que sabia antes esperar por mim,
Hoje, de sonhos vazia. Debruço à janela desse tempo.
O sol já fez a sua previsível curva; outros aniversários,
natais em celofanes azuis embalados virão
E eu aqui, guiada pelas mãos do detalhe,
encontro- me de ressentimentos desarmada
enquanto os filhos de outros ainda estão por nascer
Melhor no que faço, teço sapatinhos de crochê,
Frente à crueldade desse mundo amarro pontos ao entrelace.
Que cena mais bela! Digo a mim mesma.
A cada dia que passa mais me surpreende as atitudes humanas.
Pode parecer coisa pouca, meditar é um dom, agrega valor a alma.
Desço mais um livro dessa estante.
E de páginas escolhidas salta-me o prazer.
Oh, mundo turvado! Ou seria esse meu momento ?
Corro, pois tenho pressa. E no receio de que a luz já se apague,
embarco nas asas da libélula transparente. Alma apaixonada.
Alhures, cantos aqui me chegam, não os de sereia,
mas de um Tritão apaixonado que diz esperar por mim.
Sinos estão a repicar. Solto as amarras. Desato cordéis.
 Liberta de escrúpulos,  já corro ao seu encontro.
 
Amália Grimaldi - "Outonal elegia" 2014
 
 

 

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